quinta-feira, 17 de março de 2011

Situação Geral


Olá queridos,

Para que todos saibam, por questões de segurança nossa e também da equipe que trabalha conosco, fomos orientados a retirar do blog as nossas informações com tudo o que aconteceu desde o dia 11 de fevereiro, pois elas falavam algumas coisas relacionadas ao trabalho aqui e sempre mencionávamos o nome do Senhor a quem servimos e alguns alvos nossos também. Sendo assim, estou escrevendo de uma forma mais genérica para que, se formos rastreados, não hajam informações inteligíveis aos perseguidores do nosso Senhor.

Aqui as coisas vão bem, e temos feito o possível para nos integrarmos mais efetivamente à equipe e também ao povo asiático, pois eles têm muitas diferenças em relação a nossa cultura e costumes. Temos tido alguns sustos com algumas reações deles (do povo), como por exemplo, o que nós chamamos de falta de educação. No nosso país, quando estamos andando e alguém está obstruindo o caminho, pedimos licença e passamos, aqui não é assim, eles simplesmente vão empurrando e vão passando, se alguma coisa agarrar neles, eles saem puxando tudo! Nos assustamos muito com isso no começo, e ainda hoje, mas para eles isso é normal, eles nem se queixam uns com os outros sobre isso! Achamos engraçado porque eles sempre estão se empurrando, nos ônibus, lojas, na rua, nos shoppings populares principalmente, é uma loucura!

No trânsito, ninguém para na faixa de pedestres, se você estiver atravessando com o sinal de pedestres aberto, eles mal esperam você passar e já saem em disparada, isso se não ficarem acelerando o carro para te impelir a andar mais rápido, porque eles são muito apressadinhos. Aqui é interessante porque muitos falam que o povo é preguiçoso, mas eles estão sempre correndo, mas correndo atrás do quê? Isso me leva a refletir em coisas que nunca fiz antes, pois sabemos que 80% da população não trabalha, então será que os outros 20% precisam correr muito para atender a diferentes demandas? Não sei.

Uma coisa que me deixou pensativo e até intrigado foi os carros que circulam por estas bandas. O nosso povo gosta muito de automóveis, e muitas vezes, pagam caro para ter um carro simples (pois no nosso país a carga tributária é um absurdo e encarece tudo, principalmente os carros), pois bem, quando chegamos aqui eu fiquei muito surpreendido (porque pensávamos que o país estava em pedaços, pobreza em todo canto e mendigos por toda parte e não teríamos quase nem o que comprar para comer ou obter produtos de primeira necessidade – bem, parte disso é verdade, mas nem tudo) porque aqui os carros são fantásticos! No nosso condomínio (que é bem simples pois os prédios parecem que vão desabar a qualquer momento), se você olhar pela janela da cozinha, você vai ver uns 3 audi A5, umas 7 mercedes (desses modelões mais novos), um monte de BMW´s de diversos modelos incluindo a X5 e outras marcas como Toyotas, Lexus, Hondas e por aí vai. Pensei, como eles compram esses carrões enquanto o apartamento deles está horroroso? Quem entende? Será que a nata da cidade mora no nosso conjunto de prédios?

Outra coisa me deixou intrigado, as pessoas se vestem muito bem aqui, parece um grande desfile de modas, especialmente as mulheres, isso em todas as faixas etárias. Pensei, como se vestem tão bem se quase ninguém trabalha? Perguntei a uma amiga conterrânea nossa que vive aqui há um bom tempo, e ela disse que eles se preocupam muito com a aparência, seu status, eles mal têm o que comer, mas andam impecáveis por fora! Ah, então entendi o porquê dos carrões e das roupas tão bonitas!  Me lembrei muito do que o Senhor falou sobre sepulcros caiados (que por fora são lindíssimos, mas por dentro estão podres). Realmente há muito trabalho aqui.

Fomos a um centro de crianças alguns dias atrás e voltei com meu coração partido. Vi o mesmo abandono de sempre, mas o que mais me chama sempre a atenção quando vou lá é que não só as crianças são abandonadas ali, parece que até o lugar (região) é abandonado, esquecido, perdido. A sensação é indescritível, parece até que faz mais frio lá e não tem sol (mesmo quando está um sol forte na capital), e olhamos aqueles rostinhos carentes de tudo, realmente nos impacta muito, e penso, precisamos fazer algo por essas crianças!

No caminho de volta viemos conversando com a assistente social de nossa organização, e perguntei se poderíamos fazer alguma coisa por eles, como dar sapatos ou roupas (porque as deles já estão em situação muito difícil de ser usadas), ela nos falou que é complicado darmos, porque enquanto estão perto de nós, tudo bem, mas quando vamos embora, tudo muda, ninguém fica com a mesma roupa que ganhou, alguns nunca mais a vêem depois da primeira lavada, então perguntei por que, e ela disse que em muitos casos os próprios funcionários roubam dos meninos, pois muitos deles não têm nada em casa nem para eles nem para seus filhos! Ela disse que podemos dar coisas de comer, que eles comem na hora e ninguém leva, mas coisas para uso diário infelizmente não fica com os meninos.

Para vocês terem uma ideia do nível de abandono, vou dar mais detalhes. Nossa organização deu um par de meias para cada um (dos 78 que moram lá), até hoje eles têm e usam somente aquela meia, mas nem todos já a tem e as que ainda podem ser calçadas estão com buracos imensos. Eles têm apenas uma cueca para usar o ano inteiro!!! Os dentes? Difícil comentar. O lugar onde eles brincam de hockey e futebol é na verdade um grande espaço com um barro preto e pegajoso, pois não tem uma área cimentada e decente onde podem brincar. As brigas entre eles são constantes. A última vez que estava lá havia um garoto de 10 anos de uma etnia diferente dos demais que sempre apanha dos outros por não saber a língua local, ele estava com o lábio inferior com um corte enorme, resultado da agressão de outro interno. Não se sabe o que fazer para controlar as brigas, pois os meninos com esse perfil tem uma necessidade imensa de autoafirmação, como não há com o que subjugar os outros, eles usam a violência.

Naquele dia eu voltei para casa com o coração em pedaços e pensando o que podemos fazer por aquelas crianças? Muitos parecem ser bem novos, mas na realidade têm 13, 15, 16 anos de idade, mas com a estatura de crianças de 7 ou 8 anos devido à desnutrição. Eles têm apenas 2 alimentações por dia e sempre com muita água para ralear a comida para todos poderem comer, então a comida parece mais uma sopa rala sem qualquer nutriente para garotos na fase de crescimento. O que podemos fazer? Somente falar do nosso Senhor é proibido, ajuda-las suprindo necessidades básicas também é difícil, pelo fato dos outros roubarem o que é dado a eles, então o que fazer?

Estamos em oração constante para que Deus nos dê estratégias para lidar com tudo isso. Vemos que só com a nossa ida lá, aqueles meninos têm a oportunidade de sorrir e conversar coisas diferentes e saber coisas diferentes. Eles estão muito curiosos sobre nosso país de origem, então quando formos lá mostraremos alguns vídeos sobre nossa nação. Minha esposa falou um pouco da minha história, que também vivi em um centro para crianças carentes (embora fosse uma realidade muito diferente da deles. Eu tinha conforto, uma ótima educação, amor dos diretores da casa, enfim, era outro mundo), e mesmo vivendo em um ambiente de internato eu cresci e me tornei alguém na vida e hoje estou contribuindo para que outras crianças tenham esperança de uma vida melhor e saudável. Eles ficaram muito motivados e esperançosos por um futuro melhor. Então fizeram para ela a pergunta que todos fazem: “você vai ficar aqui por quanto tempo?” Então ela falou o tempo inicial que ficaremos aqui e voltaremos para nosso país para ver nossos familiares e fazer novos contatos com mantenedores e visita-los, mas depois de poucos meses, estaríamos de volta, pois nossa casa agora é aqui, neste país da Ásia. Então eles sorriram muito e a aplaudiram, de livre e espontânea vontade! Ela segurou muito para não se derreter em lágrimas ali mesmo na frente deles. Foi emocionante para nós tudo isso. Cremos que passamos a informação de que há esperança, há esperança para eles.

Nossa organização ganhou um valor em dinheiro para comprar um terreno na cidade, para ser construído um centro para crianças de rua, mas infelizmente está tudo parado, não há verba para a construção. Nossa liderança voltou para seu país de origem para levantar dinheiro para essa construção, pois só assim poderemos ajudar essas crianças de perto e da forma que nosso Senhor nos orientou, aí sim, Sua Palavra seria mostrada, explicada, inculcada na mente e coração deles, mas não só isso, eles receberão o real amor do nosso Senhor através de nossas vidas e poderão ter um tratamento justo, com dignidade e respeito. Vemos isso com uma forma de ajudar aquelas crianças, se você deseja nos apoiar nisso você pode entrar em contato conosco quando quiser, estamos sempre à sua disposição.

Temos tido alguns problemas quanto às notícias que acontecem em outros países porque ainda não aprendemos a língua local, ainda não começamos as aulas, o que dificulta um pouco nossa vida, mas tudo bem, nós estamos gostando muito daqui e estamos muito felizes por estarmos no lugar certo na hora certa.

Li na internet sobre o grande terremoto que atingiu o Japão nesta semana que passou, foi muito triste ver como as coisas aconteceram lá. Algumas pessoas nos escreveram perguntando se estávamos bem e se aconteceu algo na região onde estamos. Não, estamos bem, o Japão fica bem longe daqui e não vimos qualquer repercussão do assunto por aqui. A propósito, temos até televisão aqui, mas não tem canais internacionais, então não entendemos nada. Mas uma coisa deu para reparar, as dublagens dos filmes aqui são um terror! Durante o filme você consegue ouvir o original em inglês por baixo da dublagem, e uma das coisas mais toscas que eu vi foi quando, no filme, duas garotas estavam conversando e as vozes da dublagem eram, além de ser um homem, eram do mesmo dublador, achei o fim do mundo, hehehe! Pois é, eles só traduzem mesmo o que a pessoa quer dizer, nem as emoções, nada! Brincadeiras à parte, fiquei bem impressionado com as programações dos canais de tv, porque seja durante o dia ou à noite, eles passam filmes de guerra, documentários de guerra, cenas de morte e assassinatos sem qualquer censura em qualquer horário, e sempre que passamos nas ruas, vemos crianças brincando com armas de brinquedo, metralhadoras, pistolas, etc. Então refletimos no que os pais esperam que estas crianças se transformem um dia.

A questão da guerra aqui é uma coisa bem comum. É muito fácil você passar pela rua e ver pessoas com roupas camufladas do exército, com o chapéu característico das forças armadas. Já vi pessoas que eu achei que realmente eram soldados, porque só não estavam usando a arma, a vestimenta toda era de militar, até assustei. E você pode comprar estas roupas iguaizinhas à dos soldados em qualquer lugar. Nós fomos a um bazar (que é um grande mercado onde se vende de tudo) e lá pudemos ver onde se compra dessas roupas e também estes brinquedos, que só estimulam à violência. Fico até pensando no que aconteceria se as pessoas conseguissem armas tão facilmente quanto os bandidos do nosso país. Graças ao Senhor as crianças de rua aqui não têm acesso a armas como no nosso país. É muito difícil alguém ter uma arma por aqui, embora seja aparentemente muito mais fácil.

Na semana que passou também conhecemos um rapaz, fomos comprar um aparelho na loja dele. Tinha tudo para ser um ótimo negócio para nós e para ele, mas por alguma razão, não deu certo. Então estávamos andando na rua e vimos outro lugar, que me faz lembrar uma das grandes galerias da nossa cidade, então fomos lá no fundo, no subsolo e encontramos uma pequena loja. Então entramos e conversamos com o rapaz, ele falava um pouco de inglês, então podia nos entender. Compramos o aparelho dele e tivemos um bom tempo juntos ali conversando, ele é muçulmano e não entramos muito na questão espiritual inicialmente, pois aqui o país é muçulmano, mas ele disse que não é praticante, e falamos outras coisas para ele. Ficamos tristes porque ele se mostrou muito desesperançoso com o país. Está ansioso para sair daqui e ir para um país melhor, pois aqui ele não tem esperança de que as coisas vão mudar. Percebi, então, que esta é a ideia de praticamente todos aqui, só estão aqui porque não há condições para se mudarem, foi uma pena. Ele mostrou as fotos de sua família para nós e disse que sempre que pudermos para passarmos lá para visita-lo. Trocamos os números de telefone e ficamos de fazer uma nova visita em breve. Devemos ir lá esta semana e vamos conversar um pouco mais, vamos deixar o Senhor resolver como vai ser. Por isso o negócio não deu certo com o primeiro rapaz. Cremos que o Senhor tem um propósito específico nesta amizade que está se formando com este último rapaz. Falamos com ele que há esperança sim, ele sorriu e nos despedimos.

Se você quer ser usado para tornar este lugar um país habitável, como diz no Livro Sagrado, você já está sendo, pois com seu apoio e generosidade e a graça do nosso Pai, nós chegamos aqui, mas isso é apenas o início do trabalho, há muito mais para ser feito. Contamos com sua preciosa ajuda neste processo, com suas orações, pois saiba que elas estão sendo ouvidas.

Que a paz do Senhor esteja com vocês.
E. S. O.